Provincianismo #1 - Os "Nortenhos" são os mais machistas dos Portugueses
Carta aberta ao Semanário "Sol"
Caro Dr. José António Saraiva e Dr. Carlos Oliveira Santos,
Na edição do passado dia 24 de Março de 2007, no caderno de negócios, página 13, no artigo intitulado "O menino Sonae", era afirmado, a propósito da sucessão de Belmiro de Azevedo, que "A (sucessão pela) filha, mais novas que eles (os irmãos), seria, infelizmente, num grande grupo português firmado a Norte, uma impossibilidade histórica."
Esta afirmação, não só é extremamente infeliz, como preconceituosa, e falsa sob vários pontos de vista.
1- A primeira afirmação é a de que a filha mais nova de Belmiro de Azevedo não poderia ser a sua sucessora, pelo simples facto de ser mulher.
Tudo leva a crer que esta afirmação não esteja correcta. Tal como se poderá constatar pela leitura do vosso artigo, o factor mais importante nas promoções (e sucessões) na Sonae é o mérito. Repito, o mérito. Em todo o artigo é afirmado que Paulo de Azevedo, ainda que auxiliado pela experiência do pai, atingiu a liderança por competência, e não por afiliação. Seria completamente contrário aos princípios da Sonae que um colaborador com mérito reconhecido não fosse promovido por questões de género. Logo, tivesse Cláudia de Azevedo mérito reconhecido no momento da sucessão, e teria sido considerada.
Aliás, muito mais pertinente que o género, é a idade de Cláudia de Azevedo, que tem tido uma carreira ascendente na Sonae, mas ainda não teve tempo suficiente para percorrer as escadas necessárias na hierarquia organizacional. Pergunto-me se Paulo de Azevedo teria condições para a liderança há 3 ou 4 anos atrás. Certamente que não. Pois é precisamente nesse ponto da sua carreira que Cláudia de Azevedo está.
2- É afirmado que esta suposta discriminação de género tem a sua génese no facto da Sonae ser um grupo do Norte, e consequentemente, "uma impossibilidade histórica" que uma mulher ascendesse à liderança.
Esta afirmação é falsa, extremamente infeliz e preconceituosa.
Falsa, porque passa duas ideias:
a) Que a discriminação de género no nosso país é exclusiva (ou pelo menos mensuravelmente mais significativa) do Norte.
Isto é falso. Basta analisar as empresas do PSI 20 (a maioria das quais não tem sede no Norte do país, mas na capital), para constatar que em nenhuma a liderança é assumida por uma mulher. Convido mesmo os responsáveis do "Sol" a fazerem a análise para as 100 maiores empresas portuguesas. Não conseguirão encontrar 5 empresas (aliás, duvido que consigam encontrar 3) que sejam lideradas por mulheres.
Não pretendo tornar esta carta num ataque directo ao "Sol", mas confesso que fiquei com curiosidade em saber se a Direcção do "Sol", que tem sede em Lisboa (não no Norte), teria algum elemento feminino. Com estupefacção verifiquei que não. Os 4 directores são homens. Nenhuma mulher (não pretendo afirmar que haja discriminação de género, mas que a predominância dos homens é transversal a regiões e sectores económicos).
Ou seja, a discriminação de género é, infelizmente, um problema nacional nem exclusivo, nem singnificativamente mais acentuado no Norte que nas restantes regiões do país.
b) Que a liderança de uma mulher é uma impossibilidade histórica no Norte.
Falso. Uma das principais figuras históricas do Norte é uma mulher - Antónia Ferreira, mais conhecida como a "Ferreirinha", foi uma das maiores empresárias do país no século XIX. Repito, século XIX. Esta é uma constatação histórica.
Mais, tal como o "Sol" teria obrigação de saber, Maria Cândida Morais assumiu este ano a presidência da Maconde, grande grupo de vestuário em Portugal. Acabei de dar dois exemplos de que a liderança de mulheres em empresas no Norte, não só é uma possibilidade com raízes históricas, como é uma realidade muito actual.
Mas há também factores histórico-culturais que indicam que não será no Norte que as mulheres são mais desconsideradas. O desconhecimento das diferenças culturais regionais é, infelizmente, um mal generalizado no nosso país. Pois uma análise histórica aprofundada permitir-lhes-ia verificar que é no Minho rural que se encontram os traços culturais que, em Portugal, mais se aproximam de uma sociedade matriarcal (resultado da presença celta a norte do Douro). A título de exemplo, no Minho a distinção de funções entre homens e mulheres é muito ténue, raramente se fazendo as tradicionais distinções de trabalho (fisicamente) mais pesado para um dos sexos. (Não pretendo aqui afirmar que a real igualdade de sexos existe no Minho, ou que a diferenciação de funções é inexistente, mas que é nesta região do país que esta diferenciação é menor).
Sendo afirmações falsas, gostaria manifestar o meu profundo repúdio pelas afirmações realizadas, uma vez que são de carácter xenófobo, completamente injustificadas, e claramente inapropriadas para um semanário que procura impôr-se como uma referência no jornalismo português.
As afirmações poderiam ser consideradas fruto de um acto inconsciente. Mas são os preconceitos inconscientes os que mais importa alertar e combater, pois também são esses que mais facilmente passam inconscientemente para os leitores. A ser afirmações inconscientes, mostram a presença de um estereótipo irreal das populações do Norte, bem como uma incapacidade de autocrítica à região onde se insere (pois vê discriminação de género no Norte, mas não na localidade onde está presente, embora esta exista). E assim, é este estereótipo acríticamente transmitido, e reafirmado junto daqueles que, erradamente, o tomam como verdadeiro. É missão de um semanário de referência questionar os estereótipos, em vez de os estimular.
Mas, infelizmente, a força com que a "impossibilidade histórica" é afirmada leva-me a crer que o autor do artigo acredita racionalmente no que afirma. A ser assim, e porque discordo desse preconceito, mais uma vez o convido a rever os pressupostos do seu julgamento das populações do Norte, tanto olhando para estas, como para o país como um todo. Afinal, para a eliminação da discriminação de géneros seria bem mais útil reconhecê-la como um problema de Portugal como um todo, e não a tratar como um problema "supostamente" exclusivo de regiões específicas do país, neste caso, do Norte.
Esta carta aberta, e respectiva resposta da Direcção do "Sol" (que espero receber em breve) serão publicadas no blogue www.antiprovinciano.blogspot.com . Acredito que esta actuação consitui uma forma adequada de fomentar o espírito de tolerância e de autocrítica das populações, de defesa da liberdade democrática pelos cidadãos, e da responsabilidade e isenção da imprensa na sua actuação.
Com os melhores cumprimentos
(Devidamente assinado pelo autor deste blogue, conhecido por Snowball)
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