terça-feira, 29 de maio de 2007

Amanhã é dia de greve

Amanhã é dia de mais uma greve geral. Pretende-se, com ela, protestar contra a "precariedade", a "flexiguransa", "desemprego" e "desigualdades".

Importa fazer algumas reflexões:
1. O principal objectivo do governo é reduzir o défice. Quando há greve os trabalhadores não recebem salário. Logo, cada dia de greve representa uma redução de cerca de 0,3% dos custos com o pessoal (supondo que toda a gente adere, e ignorando os custos extra para assegurar serviços mínimos). Logo, a greve ajuda o governo com a redução de custos.

2. Por outro lado, a greve como forma de protesto contra o Governo é uma arma de eficácia duvidosa. Porque não são os membros do governo que são prejudicados. São todos os utilizadores dos serviços públicos: as crianças que não vão ter mais uma aula, os doentes que não serão tratados nesse dia, as pessoas que não terão transporte para chegar ao trabalho e precisam do dinheiro, as empresas que precisavam daquele dia de trabalho para entregar uma encomenda vital para fugir à falência... Os grevistas afirmam-se contra o Governo, mas exercem o seu poder sobre o povo português, especialmente aquele que tem menos posses.

3. Há formas alternativas de protesto. A manifestação simples, buzinões, a greve de zelo, a recolha de assinaturas para abaixos assinados ou referendos (se cada grevista assinar, dá para fazer referendos para muita coisa), a manifestação da vontade popular através do voto. Ou então coisas mais simples, como mega-buzinões à porta do palácio de S.Bento ou na AR, etc. etc.

4. A greve dos funcionários públicos sofre de dois problemas de base. O primeiro já referi - como são pagos pelo povo português, a greve é contra o povo português. O segundo é que uma greve só é credível quando o grevista arrisca alguma coisa. Nas empresas privadas, uma greve mal pensada pode resultar na falência da empresa. No sector público, aconteça o que acontecer, os grevistas mantém o emprego. Logo, existe sempre um incentivo a pedir maiores benefícios - o custo de oportunidade é quase nulo.

5. A prova de que existe um incentivo à reinvindicação, é que os objectivos desta greve são generalistas. Primeiro, é uma greve "contra". É raro ver uma greve "a favor" de uma nova medida (que não seja aumentos salariais), mostrando uma postura proactiva. Depois, é uma greve não se sabe bem contra o quê.
- Contra a precariedade do emprego? Bem, eu sou contra a precariedade, mas o que é que se pretende neste aspecto? Acabar com a legislação que permite a precariedade (tendo em conta que a alternativa é a inexistência de emprego)?
Dar formação aos desempregados para permitir reconversão de trabalhadores?
- Contra a flexigurança? Ou seja, contra uma conceito abstracto ainda não definido? Ou seja, ser a favor dos direitos dos trabalhadores (manutenção do emprego), mas contra os direitos dos desempregados (ter hipóteses reais de conseguir um emprego)?
- Contra o desemprego? Quanto a esta, mais vale ser contra as batatas fritas. Os Governos dificilmente criam empregos, quanto muito transferem empregos entre momentos diferentes no tempo (endivido-me hoje para gastar criando emprego, pago amanhã através de impostos que reduzem o consumo e logo o emprego). Normalmente, os governos apenas destroem empregos, através de impostos demasiado altos que são mal gastos (em boys, concursos para os amigos e obras megalómanas). Desafio quem quer que seja a provar-me que um governo consegue criar empregos sem ser através de educação (em particular educação para o empreendedorismo) e investimento em infraestruturas).
- Contra as "desigualdades"? What does this mean? Contra que desigualdades? Contra a desigualdade de tratamento do que é igual? Contra a desigualdade de oportunidades? Contra a desigualdade de rendimento para trabalhos semelhantes? Ou contra a desigualdade decorrente do mérito ou das escolhas individuais?

Enfim...basicamente estou para aqui a protestar porque percebo que o país (e consequentemente muitos dos cidadãos) enfrenta uma grave crise. Não compreendo que soluções é que uma greve que protesta contra tudo (logo, protesta por protestar) pretende trazer. Pessoalmente, quando estou insatisfeito com o Estado:
1. Faço pela minha vida
2. Peço que o Estado se meta menos na minha vida.
Sinceramente, não me ponho a protestar contra o Estado para lhe pedir mais coisas. É que quase sempre que ele dá mais qualquer coisinha aos portugueses com uma mão, vai buscar com a outra ainda mais do que deu...

Nota: Simpatizo com as greves, com os grevistas, com as manifs, com a manifestação do povo. Não simpatizo com greves planeadas em cima do joelho que não tenham um objectivo concreto. As greves servem para protestar contra (ou para forçar) uma decisão específica de um governo. O voto para protestar contra a actuação global. Usar a greve para este último fim só a descredibiliza e a torna ainda menos eficaz (todos os ultimos governos têm enfrentado greves gerais sem sofrer mossa. Será diferente desta vez?)

Nota2: Isto lembra-me as greves estudantis, que protestam contra políticas generalistas para o ensino superior, quase sempre sobre o seu financiamento, mas que nunca tentaram sequer "limpar" o sistema de ensino dos professores que não corrigem os exames (ou corrigem de forma duvidosa), que têm critérios arbitrários e alunos preferidos, ou que dão "matéria" obsoleta há 15 anos. O ensino superior pode ser uma porcaria, mas desde que seja gratuito (e de preferencia fácil de acabar o curso) está tudo bem...

2 comentários:

Anónimo disse...

Só faz greve quem se pode dar ao luxo de abdicar de um dia de trabalho. É mais do que certo que os nossos queridos funcionários públicos vão aderir em massa a este dia de férias enquanto que os funcionários das empresas privadas vão trabalhar como se nada fosse.
Concordo com quase tudo o que disseste, só te esqueceste de referir um aspecto importante, o verdadeiro motivo da greve. Os sindicalistas tem de apresentar trabalho, uma razão para a sua existência, um motivo para cobrarem as suas quotas sindicais! Nada melhor que uma greve.
Direitos dos trabalhadores e taxa de desemprego andam sempre de mãos dadas, quando um sobe, o outro também.

Parabéns pelo blog.

Snowball disse...

"Direitos dos trabalhadores e taxa de desemprego andam sempre de mãos dadas, quando um sobe, o outro também."

Estive a pensar neste ponto e ele é apenas verdadeiro em 2 aspectos - maiores salários implicam maior desemprego (e vice-versa), mais segurança no trabalho implica maior desemprego.

O primeiro não é mau, nem bom, depende dos mecanismos de redistribuição e da sua razoabilidade. Diria que, o caso do salário mínimo tem por objectivo combater práticas similares à "usura" (aproveitamento de um estado de especial necessidade).

O segundo também não é necessariamente mau - as pessoas necessitam de um mínimo de estabilidade no seu emprego. Mas importa sempre ter presente que essa segurança no emprego é obtida à custa de menores rendimentos, e de maior desemprego (em particular de longo prazo).

Quanto maior a segurança no emprego, menores os salários e mais dificil é, para quem está desempregado, encontrar um trabalho.

É por isso que muitas greves defendem os interesses dos trabalhadores, mas à custa dos interesses dos desempregados.

Claramente, em Portugal, há uma sobrevalorização dos direitos dos trabalhadores (na questão do despedimento).

Curiosamente, como a falta de flexibilização torna cada vez mais dificil encontrar um emprego, a classe trabalhadora procura reduzir o mais possivel essa flexibilização, pois não quer passar para o "outro lado".

Mais inteligente seria garantir que era fácil para um desempregado encontrar emprego.

A precariedade tem mais a ver com a impossibilidade de encontrar emprego do que com a possibilidade de despedimentos. Se sempre que o meu contrato temporário acabar, eu conseguir encontrar novo emprego semelhante em 1/2 meses, e nesse intervalo recebi subsidio de desemprego, estarei verdadeiramente numa situação de precariedade?