quarta-feira, 18 de abril de 2007

Aborto é inconstitucional?

Havia alguma expectativa quanto à estreia de João Miranda no DN. Para alguém de direita, entrou com o pé esquerdo...

Afirma João Miranda que:
"Felizmente, o sr. Presidente da República teve a sensatez de não enviar a nova Lei do Aborto para o Tribunal Constitucional. Tal seria extremamente cruel para os juízes do Tribunal, os quais, para não colocar em causa a vontade popular expressa em referendo, teriam que se contorcer para mostrar que, apesar das aparências em contrário, o feto não está vivo nem é humano." Isto porque "A CRP no seu artigo 24 diz expressamente que 'a vida humana é inviolável'."

Tudo isto estaria muito bem, não existisse já uma lei que permite o aborto, e a questão não tivesse sido apresentada previamente e aprovada pelo TC. O papel do PR é avaliar se, após ler os pareceres do TC, a lei concreta apresentará problemas do ponto de vista constitucional. Cavaco Silva considerou que não existiam. Cumpriu o seu papel institucional. Ao contrário do que diz João Miranda, o TC já tinha encontrado excepções ao art. 24. Não precisavam de se "contorcer".

Depois, crítica a constituição portuguesa: “Esta tarefa encontra-se facilitada, porque a nossa Constituição é a mais avançada do mundo. Nela está consagrado tudo e o seu contrário.”

Mal de nós se os juízes e os estudiosos do Direito não pudessem defender mais do que uma única tese a partir da Lei. Seria um Estado verdadeiramente lamentável, um Estado em que não haveria qualquer hipótese de verdadeira Justiça, uma vez que todos os casos, independentemente das suas especificidades e nuances seriam resolvidos com a mesma chapa 7, pondo, inclusivamente, em causa uma real separação de poderes entre o Legislativo e o Judiciário.

Aliás, o que João Miranda aponta como sendo o principal defeito de que enferma a nossa Constituição é, muito provavelmente a sua maior virtude.

De facto, muitos são os princípios que enformam a nossa Lei Fundamental, e nem sempre a sua harmonização é pacífica. Mas aí reside a fonte da sua juventude e da sua sobrevivência, pode adaptar-se ao Mundo Real, não enfia tudo em caixinhas.

Não podemos esquecer que a nossa Constituição é, sobretudo, um diploma de Liberdade, permite a convivência de diversos pontos de vista. Muito má seria a nossa situação se, como sociedade, precisássemos de um texto que nos indicasse o caminho e como o deveríamos percorrer. Não ressoa aqui uma reminiscência qualquer de totalitarismo?

A estas considerações há ainda um ponto a ser acrescentado, é que o facto de ser abrangente, de acolher diversas ideologias não faz da nossa Constituição uma terra de ninguém. Na verdade, os vários princípios nela contidos podem ser conciliados de diversas formas, mas certamente nunca poderão ser afastados.


Snowball + Fénix

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