quarta-feira, 18 de abril de 2007

O aborto é inconstitucional? II

Citando o Acordão 617/2006:«Apenas se terá de concluir que à liberdade de manter um projecto de vida é dada uma superior valoração, nesta primeira fase, para efeitos de não-punição, sem que isso queira e possa implicar “abandono jurídico” da vida intra-uterina.»
Logo, o TC concluiu que era legítimo o aborto até às 10 semanas.

Depois diz: "...nenhuma das respostas — afir­mativa ou negativa — à pergunta formulada implica ne­cessariamente uma solução jurídica incompatível com a Constituição"
Pelo que se conclui que uma solução que permita a «despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?" é válida.
Note-se que diz "por opção da mulher". Não pondera com outros valores. Só por si, a "opção da mulher" é suficiente. Aliás, o projecto de lei do PS associado ao referendo foi aprovado em Abril de 2005 e inclui no Código Penal mais uma situação em que o aborto é legal: «A pedido da mulher, nas primeiras dez semanas de gravidez, para preservação da integridade moral, dignidade social ou maternidade consciente». Foram estes os valores considerados pelo TC. E foram suficientes para a aprovação.

O acórdão diz ainda: “não havendo uma imposição constitucional de criminalização na situação em apreço, cabe na liberdade de conformação legislativa a opção entre punir criminalmente ou despenalizar a interrupção voluntária da gravidez efectuada nas condições referidas na pergunta constante da proposta de referendo aprovada pela Resolução nº 16/98 da Assembleia daRepública”.

Ou seja, uma lei que permita a IGV é legítima, nas condições da pergunta. Foram definidas as condições nas quais o art. 24 CRP não prevalece. A lei actual está de acordo com essas condições, com o projecto de lei do PS (04/2005), e com a pergunta. Com esta informação, não há espaço para dúvidas.

O que terá João Miranda a dizer quanto a isto?

3 comentários:

Anónimo disse...

"Logo, o TC concluiu que era legítimo o aborto até às 10 semanas."

O que é "legítimo"? A única legitimidade de que o TC conclui é a de retirar a punição penal ao aborto até às 10 semanas. Nada mais do que isso.

«Pelo que se conclui que uma solução que permita a «despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?" é válida.
Note-se que diz "por opção da mulher". Não pondera com outros valores.»

Ou seja, qualquer solução jurídica que emanasse do sim à pergunta, seria, a seu ver, sempre constitucional. Sendo assim, qual a necessidade do TC em deixar a frase citada no acordão - "...nenhuma das respostas — afir­mativa ou negativa — à pergunta formulada implica ne­cessariamente uma solução jurídica incompatível com a Constituição"?

Snowball disse...

"O que é "legítimo"?"
A legitimidade de legalizar a IGV.

"qual a necessidade do TC em deixar a frase citada no acordão - "...nenhuma das respostas — afir­mativa ou negativa — à pergunta formulada implica ne­cessariamente uma solução jurídica incompatível com a Constituição"?"

João Miranda tem razão quando diz que a aprovação da pergunta não corresponde automaticamente à aprovação de uma lei em abstrato. Mas só existe necessidade de novo parecer do TC caso a lei:
- inclua algo que não emanasse directamente da questão referendada (ou não fosse expectável)
- for contra alguma das reservas colocadas por quem aprovou a pergunta no TC
- tenha algo de "inovador", e que possa ferir a constituição.

Nenhuma das críticas apontadas por JMiranda encaixa nestas condições.

"1. pela primeira vez há uma lei do aborto em que a mulher não tem que se justificar."

É verdade, mas era isso o que a pergunta previa.

"2. pela primeira vez é possível aborto em qualquer caso sem que estejam em causa outros valores para além da vida."

Não é verdade, tal como referi no post, os juízes do TC consideraram válida a necessidade de "preservação da integridade moral, dignidade social ou maternidade consciente"

"3. A lei não exige o consentimento de mães menores."

É de facto lamentável, mas está relacionado com o estuto dos menores em Portugal. Por exemplo, os pais de um menor têm que autorizar intervenções cirurgicas. Ou seja, a liberdade de escolha dos menores é limitada. Não é uma inovação legal. Não vejo a inconstitucionalidade (embora discorde).

"4. Pela primeira vez permite-se que o sistema nacional de saúde seja usado contra a vida em casos não médicos."

Não é verdade, isto já é feito em caso de violação (é um caso não médico). De resto, não conheço casos em que seja permitido aos privados agir contra a vida. (desconheço se existem diferenças na legislação, mas tendo em conta que já existe uma excepção, esta não é inovadora).

Logo, não há motivos para ter que levar a lei ao TC. Até podia ter sido feito. Mas não era nem obrigatório, nem necessário.

JLS disse...

«O que terá João Miranda a dizer quanto a isto?»

É inútil pedir-lhe que se desdobre sobre o assunto, pois nesta, como em muitas áreas sobre as quais gosta de mandar postas... revela uma gritante ignorância. Se não sabe, ao menos que não abra a boca. Foi uma estreia em grande, no DN.